sexta-feira, 1 de março de 2013

A gestação de um bode expiatório na Perícia Oficial do Ceará

 
AS MORTES NO PÓLO DE LAZER DO BAIRRO ELLERY E A GESTAÇÃO DE UM BODE EXPIATÓRIO

Por Ranvier Feitosa Aragão - perito criminal e judiciário, professor e consultor

Como foi amplamente divulgado pela imprensa de Fortaleza, na passagem dos dias 27 para 28 de janeiro passado, ao curso de uma operação de rotina a cargo de uma composição da PM, ocorreram disparos de arma de fogo, levando a óbito os inditosos adolescentes “Igor” e “Maiara”, que se divertiam numa festa popular no Pólo de Lazer do Bairro Ellery.

Noticia-se que, por ocasião dos disparos, a policial feminina que fazia parte da composição estaria no interior da viatura, justo modulando com o CIOPS, com a sua pistola Taurus .40 no coldre, de costas para as vítimas. Logo após a ocorrência, a pedido próprio, com a anuência da autoridade policial, a citada policial foi submetida a exame residuográfico na Coordenadoria de Criminalística da Pefoce, para positivar a presença ou não de resíduos de pólvora em suas mãos, cujo resultado negativo avaliza a plausibilidade de que a mesma não fez uso de arma de fogo recentemente.

Em seguida, as armas foram recolhidas na PM, passaram pela Polícia Civil e desaguaram na Coordenadoria de Criminalística da Pefoce, acompanhadas de uma requisição de exames balísticos, nesse caminho, dormitando não se sabe onde e passando pelas mãos de não se sabe quem.

Até aqui nada haveria para se estranhar se as armas suspeitas de terem efetuado os tiros incriminados, em número de dez, se é que os disparos foram efetivamente desferidos pelos PM’s, no exato momento em que foram recolhidas, portanto, na situação em que se achavam na ocasião, tivessem sido devidamente demarcadas, etiquetadas e, sobretudo, acondicionadas, lacradas, seladas e rubricadas por cada um dos policiais que as portavam e pelo encarregado em recepcioná-las. Lamentavelmente, para prejuízo irreparável da revelação da verdade real, nada disso foi feito!
Ocorre que, para preservar os superiores interesses da Justiça, esse procedimento é mundialmente prescrito nesses casos, como forma de garantir a idoneidade e a legalidade dos resultados dos exames periciais, posto que, em tese, impediria possíveis artifícios, como a implantação de evidências forjadas, v.g, a simples permutação do cano da arma, comprometendo a certeza da verdadeira identificação individual da arma, determinando resultados falaciosos. O procedimento ora avocado é o que se chama de cadeia de custódia e, como se percebe, facilmente, é a forma lógica, técnica e legal pela qual a prova pericial pode ser apresentada de maneira consiste à Justiça.

E sobre a forma pela qual tais armas chegaram à Coordenadoria de Criminalística da Pefoce silenciaram completamente, como se tudo tivesse sido feito dentro da normalidade técnica, pelo que se depreende o apedeutismo dos peritos imperitos, deixando patente que a perícia criminal do Ceará continua arcaica, medieval, primitiva, beirando a mediocridade, presa a interesses oligárquicos e retrógrados, distintos de sua destinação funcional, em verdadeiro antagonismo com as condições técnicas e operacionais implementadas pela visão progressista do Governador Cid Gomes.
Voltando ao fulcro da questão, fato é que os peritos subscritores do malsinado Laudo de nº 48468.01/2013B concluíram que ambos os tiros incriminados partiram da arma da policial feminina que não atirou, posto que, no momento dos disparos se achava de costas para as vítimas, no interior da viatura, com a arma no coldre e modulando com o CIOPS. Como é que pode? O que teria havido?, sendo da mais rasa lógica que tudo isso, até mesmo pelas visíveis contradições, precisa ser investigado à exaustão, caso contrário estaremos assistindo, passivamente, a fabricação de um bode expiatório, no caso, a infeliz policial militar feminina, o que representa um crime maior ainda, “a transformação de uma inocente numa criminosa”.

Referido laudo, diga-se de passagem, numa primeira análise, não convence, precisando ser refeito por outros peritos, vez que no exercício da microcomparação dos projéteis, ao contrário do que manda a praxe, olvidaram-se da exploração e exibição das convergências sequenciais subsequentes, intercaladas e adjacentes de todas as superfícies pesquisáveis dos projéteis padrões e incriminados.

Ademais, sobre o plano do direito administrativo, na nossa modesta opinião, o laudo encerra flagrantes irregularidades, onde o Coordenador de Criminalística Rômulo Costa do Nascimento se intitular Perito Criminal e os demais signatários, Francisco de Assis de Oliveira Filho e Ireudo Pereira de Oliveira se apresentam como “peritos”, artifício que obnubila suas reais condições funcionais, posto que ambos os três são peritos criminais adjuntos, técnicos de nível médio mantidos em tais postos por capricho do Perito Geral, o que pode configurar FALSIDADE IDEOLÓGICA.

E como peritos criminais adjuntos, também não têm atribuições de proceder a exames no campo da Balística Forense, privativo do Perito Criminal, mas somente exames em locais de crimes contra a vida, crimes contra o patrimônio e acidentes de trânsito, conforme habilitação patrocinada pelo curso de formação da extinta Academia de Polícia Civil no ano de 1994, posteriormente ratificado pelo item II, do Anexo II da Lei Estadual nº 15.149, de 9 de maio de 2012, bem assim, o laudo não está validado por Perito Criminal, conforme exigência do item XI do mencionado dispositivo legal, fatos esses que, na nossa modesta opinião, ensejam o seu completo descrédito e nulidade.

Mas as mazelas da nossa perícia oficial são muito mais abrangentes, estendendo-se, por exemplo, à área de DNA. Nesse sentido, outro dia saiu denúncia sobre atraso de exames no O Povo, na edição seguinte saiu uma nota da SSPDS afirmando que estava tudo regular. Muito ao contrário, não é o que estamos sabendo, pelo que o Secretário de Segurança pode estar sendo enganado. Por exemplo, para as bandas de Itapipoca, há uma família que há dois anos, isso mesmo, a dois longos anos de espera por um exame de DNA que não sai, não consegue enterrar um ente querido.

Fortaleza, 26.02.13

2 comentários:

  1. É interessante observar que o ínclito perito Ranvier foi, por cerca de dez anos, repito DEZ ANOS, diretor do antigo Instituto de Criminalística e nestes, repito, DEZ ANOS, TODOS os laudos balísticos foram produzidos e assinados por um perito adjunto (antigo perito criminalístico auxiliar). Ah! Saliente-se que não foi por falta de perito criminal, mas sim porque a lei permite e o profissional era extremamente habilitado. Resta saber o que move, hoje, o perito Ranvier ao colocar essas acusações contra uma instituição que lhe abrigou durante tanto tempo. Quem sabe seja a perda do antigo poder que não volta jamais.

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  2. Na verdade a Lei nunca permitiu. Segundo o Código de Processo Penal os peritos criminais auxiliares (nome trocado por adjuntos) na verdade só poderiam estar fazendo vida, transito e patrimonio. Pelo descaso do poder publico passaram a fazer tudo como se peritos fossem. Nem nivel superior muitos possuem. É uma vergonha. Pode despejar dinheiro na PEFOCE que não resolve com eles no poder.

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