(Este blog já havia publicado dois artigos sobre a ineficiência e incompetência da Perícia Forense do Ceará; uma inclusive com o testemunho de um dos grandes peritos cearenses, Ranvier Feitosa. Os links de das publicações estão no final da matéria)
Amanhã, 26, completam-se
exatos dez meses da festa pré-carnavalesca que virou tragédia no Bairro Ellery,
em Fortaleza. Em frente à pracinha, a noite de alegria terminou com dois jovens
mortos a tiros. Ingrid Mayara Oliveira Lima, 18, mãe de uma menina de quase
dois anos, e Igor de Andrade Lima, 16, levaram um tiro, cada. E a arma que os
matou, comprovadamente, é da Polícia Militar. O caso, rumoroso inclusive nos
bastidores, com suspeita até de fraude em provas colhidas, agora tem desfecho
surpreendente. Um erro crasso da Perícia Forense do Ceará (Pefoce), que levaria
uma policial inocente à condenação, foi evitado a tempo. E a autoria do crime
mudou.
A PF entrou no caso, a pedido
da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD). A
Pefoce alegou impossibilidade de exames complementares para o caso – por ter
outros 320 acumulados para entrega –, abandonou a apuração. Só por isso, a
história terminou corrigida. A soldado Maria Euzene Rodrigues, 30, quatro anos
de PM, dos quadros do Ronda, apontada como culpada até então, agora está
totalmente inocentada da acusação.
Mesmo com o exame
residuográfico tendo sido negativo para Euzene (por não encontrar pólvora em
suas mãos), a Pefoce sustentava que os tiros haviam saído da arma dela. A
perícia da PF desfez a falha grave. Os tiros que mataram Mayara e Igor
partiram, na verdade, da arma do cabo PM Raimundo Vieira da Costa, 44. Na
próxima quinta-feira, 28, Vieira e o soldado José Raphael Olegário França, 27,
também acusado por disparar na noite da ocorrência, serão julgados por um
Conselho de Disciplina e poderão ser até expulsos dos quadros da PM.
No fim da noite de 26 de
janeiro, Euzene, Vieira, Olegário e o soldado Thiago Lopes Simplício estavam na
viatura do Ronda (prefixo RD 1036) chamada por populares. Mesmo após o término
do Pré-Carnaval, a barulheira de carros de som continuava, na esquina das ruas
Dr. Almeida Filho e Dr. Atualpa. Ao chegarem, depois de advertências e de
deterem um rapaz por desacato, a viatura acabou sendo apedrejada. Para conter a
confusão, Vieira e Olegário usaram suas pistolas. O próprio Vieira, no livro de
registro do plantão, preenchido à mão e que descreve a ocorrência, chegou a
admitir que ele dera três tiros e Olegário mais um.
Disseram ter sido tiros para o
alto, “para intimidar os agressores que alvejaram duas pessoas”. Nos
depoimentos, descreveram ser grupos rivais do bairro - supostamente tentando
acertar o rapaz preso por desacato. Ainda na mesma noite, populares e até
familiares já apontavam os policiais como responsáveis. Mayara morreu no local,
um tiro acima do peito esquerdo, bem próximo ao pescoço. Igor morreu dois dias
depois, a bala ficou alojada em sua cabeça. Outros dois rapazes saíram
lesionados pelos tiros.
Em seu depoimento, Euzene
descreveu que havia ido para o rádio pedir reforço, quando começaram a lançar
pedras e outros objetos contra a viatura. Quando as outras viaturas chegaram,
os jovens já estavam baleados. Num dos recursos apresentados no andamento do
inquérito, os advogados de Euzene afirmaram que ela “durante mais de três anos,
nunca efetuou nenhum disparo de arma de fogo”. O laudo da perícia estadual não
trazia sequer a comparação visual das armas. (O Povo)
Foram várias as controvérsias
na investigação sobre a autoria das mortes dos jovens Igor e Mayara,
acontecidas no Pré-Carnaval do Bairro Ellery. A Controladoria Geral de
Disciplina dos Órgãos de Segurança (CGD) chegou a formalizar a suspeição à
perícia da Polícia Federal. A pergunta feita foi: “Há adulteração ou indícios
de adulteração dos números de série na armação e cano de todas as armas de fogo
periciadas?”. A resposta voltou negativa, mas a dúvida existiu.
Até o caderno de registro de
devolução das armas usadas pelos policiais na noite da ocorrência, feito no
quartel, passou por perícia documentoscópica. Porque um dos acusados chegou a
derramar café sobre a anotação, pouco antes das pistolas serem recolhidas como
provas dos autos. As pistolas dos PMs da viatura RD 1036 só foram entregues
para análise dois dias após as mortes, segundo a investigação.
O relatório final do inquérito
considerou que, após o laudo pericial da PF, há “provas claras, robustas e
convincentes acerca do envolvimento dos acusados”. (O Povo)
O inquérito concluído foi
enviado, no último dia 8 de novembro, para a Promotoria da 2ª Vara do Júri.
Chegou a três volumes, quase 500 páginas. O cabo Vieira e o soldado Olegário
foram citados nos artigos 121 (homicídio) e 129 (lesão corporal) do Código Penal
Brasileiro. As penas mínimas são de 12 anos para homicídio e cinco anos para a
lesão. Podem dobrar, por serem duas vítimas por caso.
O POVO procurou a policial
Maria Euzene Rodrigues, 30, para falar sobre a reviravolta do caso que resultou
no assassinato de Ingrid Mayara e Igor de Andrade, no Bairro Ellery. Ela, que é
soldado da Polícia Militar há quatro anos, pediu para não se pronunciar sobre o
assunto. Em contato por telefone, a militar afirmou que só daria entrevista
após ser comunicada oficialmente pela Controladoria Geral dos Órgãos de
Disciplina da Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD).
Os outros policiais, apontados
como suspeitos do duplo homicídio ocorrido no Pré-Carnaval do Bairro Ellery,
negam a autoria dos disparos.
O jornal também procurou
entrevistar, por meio da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social, os
peritos da Pefoce que elaboraram os laudos balísticos. Eles apontaram a arma da
PM Euzene como a responsável pelo disparos.
Foram enviadas três perguntas
aos peritos e ao diretor da Pefoce, Maximiano Barbosa. O POVO aguarda o
retorno. Entre as indagações, o questionamento sobre o fato da Pefoce ter se
recusado a complementar a análise sobre as armas. A Controladoria, após assumir
o caso, solicitou uma série de informações sobre os laudos. (O Povo)
LINKS DAS MATÉRIAS PUBLICADAS NESSE BLOG QUE FALAM DA SITUAÇÃO DE RISCO PARA A POPULAÇÃO COM A PERÍCIA CEARENSE:
_ Os laudos alterados da Perícia Oficial do Ceará
_ AS MORTES NO PÓLO DE LAZER DO BAIRRO ELLERY E A GESTAÇÃO DE UM BODE EXPIATÓRIO
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