segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A polícia militar por trás dos muros dos quartéis

 
Este texto mostrará as profundas incongruências da atividade de policiamento ostensivo, cujos atores são Policiais Militares que, na sua rotina de trabalho, vivem um drama pouco conhecido da população e das autoridades em geral, e que via de regra se traduz em uma prestação de serviço de qualidade sofrível. Nesse sistema certamente o menos culpado é o PM, que efetivamente está nas ruas, seu local de trabalho, a serviço da comunidade. 

Mostremos porque iniciamos dizendo que o PM vive um drama, além daqueles que qualquer trabalho está sujeito. Primeiro tente imaginar uma polícia em que dentro dela coexistem duas: a dos oficiais e a dos praças, em franca rivalidade. A dos oficiais, cuja formação leva três anos, nos quais é sistematicamente inculcado no jovem que ele é superior, que sabe mais, que a polícia lhe pertence e que o seu objetivo único é chegar ao posto de Coronel PM. 

A outra polícia é a dos praças, cuja formação de um período de seis meses. Esse praça é tratado como inferior não só hierarquicamente, mas o que é pior, como pessoa, cujo único objetivo é tentar sair da polícia, seja através de outro concurso ou emprego – o que é raro, pois lhe é ensinado que a polícia é a última opção, lembram-se do velho adágio? “ Quem não serve para nada serve para ser PM” - como não tem jeito, faz a polícia de “bico”, ou seja, não valoriza seu trabalho. 

Imaginemos o PM no seu trabalho, tratado como elemento inferior, sob o julgo de um regulamento que prevê até prisão e é usado com freqüência em desfavor dos praças, em faltas cuja relação com atividade policial é pequena. Por exemplo: atraso, corte de cabelo, estar sem gorro, coturno sem engraxar, entregar retrato fora do prazo etc. Nessa ordem das coisas, imaginem o PM sendo supervisionado por um oficial, com prioridade de procurar erros, ficando em segundo plano o papel de orientar e apoiar. Certa vez um coronel disse: “não existe soldado perfeito, o soldado é que não foi bem observado”. É nesse clima de supressão da auto-estima que trabalha o PM.  

O quartel é um verdadeiro “feudo” e o comandante é o “senhor feudal”, onde tudo lhe é permitido, tudo lhe é favorável. Imagine os oficiais, tendo em conta a submissão dos praças com um regulamento que lhes permite tirar a liberdade, de persegui-lo, de transferi-lo. É possível fazer uma idéia de tal ambiente, de tais condições de trabalho? Certamente o trabalhador comum também tem suas agruras. A grande diferença é que o PM lida com pessoas, e não raramente se vê envolvido em ocorrências desastrosas em que vidas humanas e prejuízos materiais consideráveis são perdidos, em virtude de ações policiais totalmente distantes da técnica e do bom senso. 

Se o PM não é respeitado; se sua escala de serviço é desumana (quando não ilegal); se é escalado em sua folga sem direito a hora extra; se sabe que os oficiais o desprezam; se por qualquer motivo é preso e, por outro lado, os oficiais por faltas muito mais graves não são punidos; se os próprios comandantes não têm compromisso com a comunidade, é razoável exigir do praça compromisso com o seu trabalho? 

Regulamento
Em regime de exceção ou mesmo em democracias, quando optaram pela aplicação de rigorosos mecanismos de controle social, em alguns casos com a previsão até de pena capital -  como acontece nos Estados Unidos -, a História mostrou e a Sociologia comprovou que a manutenção desse mecanismo não se correlaciona de modo algum com a diminuição de delitos de qualquer natureza. De igual forma, a supressão de tais mecanismos por outros de caráter humanitário e socializador efetivamente não provoca o caos ou a perda de controle. 

Esta é a situação do regulamente disciplinar da PM. Não coíbe os excessos cometidos praticados pelo PM quando em ação, pois é aplicado, na maioria das vezes, em desfavor dos praças, de maneira parcial e em infrações disciplinares sem conexão com a atividade policial, servindo tão somente para a manutenção dos privilégios dos oficiais. Cria um jogo de arrogância e prepotência por parte dos oficiais, e inferioridade e injustiça por parte dos praças.

Formação
Estabelecer um currículo e carga horária mínima para a formação do soldado, e que contemple uma formação realmente voltada para a prática de uma polícia cidadã, estabelecendo convênios com universidades, estreitando relações com a sociedade, tudo isso voltado para maximizar a possibilidade de uma melhor formação do policial, o que hoje decididamente acontece, em parte. Mas, entretanto, só no papel, uma vez que relato de Policiais Militares formados recentemente denunciam os mesmos abusos e maus tratos que ora, em formações anteriores aconteceram, é certo que numa escala de abusos menor que no passado, mas são práticas de “formação” que tornam o Policial Militar sem compromisso com a profissão que irá exercer, uma vez que tudo que lhe é “ensinado” passa a ser associado com os maus tratos por ele recebido. Criando assim, uma memória que ele mais quer esquecer do que lembrar.

Salário
Quem ganha cinco mil reais está longe de ser rico, porém proporciona um padrão de vida à sua família que facilita a obtenção de uma qualidade de vida melhor. Não obstante há profissionais que ganham salários bem maiores e são corruptos. Não queremos dizer que o PM deve ganhar X ou Y. Mas, ganhar um salário compatível com a sua importância dentro do sistema social e cuja manutenção é feita com o risco da própria vida por um salário muito aquém do merecido para a função e a falta de reconhecimento social é desnecessário qualquer comentário. 

Desmilitarização
Com certeza faz sentido o militarismo para as Forças Armadas, pois em caso de beligerância, deslocar grandes contingentes no palco dos acontecimentos é uma questão estratégica; agora, um profissional que lida com pessoas, que tem que argumentar, decidir, ter iniciativa, cujo trabalho exige dinamismo e interação permanentes com a comunidade, decididamente o militarismo é incompatível com a profissão policial. A par da questão regulamentar inerente ao militarismo, a própria estrutura hierárquica é incompatível com a dinâmica que a profissão exige. (CEL, TEN CEL, MAJ, CAP, TEN, SUB TEN, SGT, CB, SD). 

Não tenha dúvida: esta instituição está doente! Uma instituição em que, para manter o controle, usa somente autoritarismo e regras disciplinadoras que impõe tão somente a homogeneização e a submissão, é uma instituição doente! Tendendo a explodir, que produz vítimas e vitimizadores em potencial.

Sabemos que há oficiais competentes e inteligentes, oficiais estes que concedem um tratamento digno e humano, todavia não passa de uma “concessão”. O que precisamos é de regras justas e válidas para todos, e assim teremos condições para pensar em uma polícia cidadã. É impossível vislumbrar hoje senão uma polícia que piora a cada dia, com uma minoria se beneficiando, seja em termos de utilizar a administração em benefício próprio, seja esperando para se beneficiar com uma aposentadoria astronômica. A manutenção desse status quo só faz perpetuar a inoperância da polícia. A quem interessa a inoperância da PM, com policiais desmotivados, despreparados e com uma “guerra interna”? Faça uma introspecção da Corporação e verifique quem são os maiores donos da segurança privada. 

Sociedade em geral, Dirigentes Públicos e Privados, cuidado com os “senhores feudais”, pois sendo extremamente submissos e “capachos”, eles conseguem a manutenção da ordem vigente na PM, que só traz vantagens e benefícios a eles próprios. Todavia , justiça seja feita: nos quartéis, eles são verdadeiros leões, pelo menos com os praças. 

Esse texto tem como objetivo maior estimular a humanização da PM, com medidas que precisam tão somente de vontade política, para que os Policiais Militares se sintam efetivamente partes de uma instituição e da própria sociedade, e se vejam equipados com o mínimo que uma pessoa deve ter para ser profissional: auto-estima e boa vontade. 

Nota post-scriptum
Este texto é eufêmico. A realidade é muito mais brutal

Um comentário:

  1. Gostaria de dizer que a realidade nas forças armadas é diferente, mas não é, eu mesma fui comunicada por um oficial por ter reclamado por ser contactada as 5:20 da manhã, fiz minha defesa e na audiência o comandante só não me chamou de santa. Um abuso total, pena que não gravei. Tortura psicológica é o que mais acontece.

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